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Nos anos 90 é que era

Foto do escritor: pedrorodriguespedrorodrigues

É recorrente lembrarmos de determinadas épocas de forma mais saudosa. Seja pela música, moda, o período em que vivemos a adolescência ou até mesmo tudo junto. Certos períodos deixam uma marca importante na nossa vida. De tal forma que nos habituamos a viver assim e queremos continuar assim. Faz-nos sentido. Como tal parece ser mais difícil quando temos de deixar de o fazer dessa forma. É o que aconteceu em certa medida com a Síndrome de Asperger quando entrou na DSM-IV em 1994 e deixou de o estar em outubro de 2013. Entretanto já lá vão seis anos e ainda persistem algumas questões. Por exemplo, "Mas a Síndrome de Asperger é Autismo?"

No Manual de Diagnóstico das Perturbações Mentais, 4ª edição revista (DSM-IV-TR), os diagnósticos de perturbação autista, síndrome de Asperger e perturbação do desenvolvimento - não especificados de outra forma (PDD-NOS) existiam sob o chapéu das perturbações do desenvolvimento. Um conjunto de estudos investigaram a utilidade clínica do diagnóstico de Síndrome de Asperger e sugeriram a existência de uma vasta sobreposição entre os sinais e sintomas da Síndrome de Asperger e do autismo e isto apontava para uma baixa validade de diagnóstico.


O DSM-5, em outubro de 2013, introduziu uma mudança que teve repercussões não apenas para os clínicos que realizam os diagnósticos, mas também para aqueles previamente diagnosticados com perturbações relacionados ao autismo - Perturbação Autista, Síndrome de Asperger, Perturbação Desintegrativa da Infância e Perturbação Generalizada do Desenvolvimento não especificada de outra forma (PDD-NOS e que) foram combinados para formar a Perturbação do Espectro do Autismo (PEA).


Embora as revisões realizadas tenham sido deitas e aplicadas para aumentar a validade do diagnóstico e refletir melhor a apresentação heterogénea das pessoas no espectro do autismo, elas despertaram uma infinidade de preocupações sociais, não apenas entre a população em geral , mas também entre as pessoas com um desses diagnósticos anteriores à mudança para a DSM 5. E esta mudança foi acompanhada na passagem do ICD 10 (Classificação Internacional das Doenças) tutelado pela Organização Mundial de Saúde para o ICD 11 tornando global esta mudança e a saída da classificação de Síndrome de Asperger.


Mas voltando um pouco atrás. Desde a adição da Síndrome de Asperger no DSM-IV em 1994, o diagnóstico foi popularizado fora dos domínios clínicos nor órgãos de comunicação social e para lá das culturas ocidentais. Essa popularização contribuiu para uma percepção social variável desta condição. Pessoas com Síndrome de Asperger "usaram" o nome atribuído no diagnóstico para construir uma comunidade poderosa associada à aceitação e neurodiversidade. Ou por exemplo, o aparecimento de associações como a APSA (Associação Portuguesa da Síndrome de Asperger) em Portugal associadas ao nome em si. E com isso poder exercer um lobby sobre as políticas sociais e de saúde junto dos organismos locais, nacionais e internacionais mostrando as necessidades de toda uma "nova comunidade" mas também as suas competências. Por outro lado, as crianças previamente diagnosticadas com Perturbação Autista experimentaram representações mais dicotomizadas como pessoas fragmentadas ou sábios brilhantes.


Uma das questões trazidas por alguns clínicos e de grande parte da "comunidade autista" na altura em que começou a ser anunciada esta mudança foi sobre o impacto que a mesma poderia ter. Por exemplo, foi advogado que a Sociedade tinha até então demonstrado uma fobia ao autismo e que a passagem do diagnóstico de Síndrome de Asperger para Perturbação do Espectro do Autismo levaria a que as pessoas diagnosticadas até então como SA passariam a ser olhadas de forma mais negativa e rotuladas como alguém com maior nível de incapacidade. Incapacidade esta muito frequentemente associado ao conceito de autismo. Enquanto que o conceito de Síndrome de Asperger parecia estar mais frequentemente associado a uma forma estranha ou peculiar de viver mas que parecia ser mais facilmente preferido pelos não autistas. Para além do facto das pessoas com SA serem mais frequentemente associadas a um perfil cognitivo mais elevado e funcional, o que parecia trazer um conjunto de estereótipos positivos.


Receber um diagnóstico como o de Síndrome de Asperger também pode levar uma pessoa a reflectir sobre o sentido de Sí. E para alguns, passou a ser frequente e facilitador adoptar esse diagnóstico como uma identidade, principalmente se a identificação com uma imagem peculiar, mas agradável, e que confirmasse o seu sentido de identidade. Antes da publicação do DSM-5 em 2013, previa-se que a 'identidade' do Asperger pudesse ser afectada pelas alterações no DSM-5). A "identidade" de uma pessoa é entendida como resultado de uma combinação de seu sentido de si, sua individualidade e sua associação ao grupo social. Essa identidade desempenha um papel importante na compreensão de seu lugar no mundo e como eles devem agir. Uma 'identidade de incapacidade' é uma forma específica de identidade que alivia um pouco do stress associado à pertença de um grupo minoritário e à sua discriminação, trazendo um sentimento de pertença e validação.


Esta questão da Síndrome de Asperger e agora da Perturbação do Espectro do Autismo associado ao conceito de incapacidade não é consensual para todos, sejam clínicos, investigadores ou os próprios com um diagnóstico e familiares. Há um debate no campo da identidade do autismo e que se arrasta há longo tempo. Se o autismo é uma incapacidade/ déficit que precisa ser melhorada e 'curada', em parte uma visão mais próxima do modelo biomédico ou uma diferença que precisa ser reconhecida, celebrada e que grande parte da melhoria passa por abordar as barreiras impostas pela sociedade (modelo social). Não são os únicos modelos e nem sequer reflectem a totalidade de um ou de outro. Por exemplo, há quem se identifique com um modelo biomédico e que não conceptualista a cura do autismo. Relacionada a isso, está a perspectiva da neurodiversidade, que argumenta que chamar o autismo de "perturbação" do neurodesenvolvimento está errado; e que a forma dos autistas pensarem e serem não são deficit, mas parte da variação humana que deve ser comemorada.


O debate vai continuar. A esperança é de que o mesmo se faça de maneira a interligar e confortar construtivamente a comunidade científica e clínica com as pessoas com diagnóstico de PEA, os seus familiares e a comunidade de uma maneira geral. Ainda assim, as dúvidas persistem. Por exemplo, são muitas as pessoas que aparentam ter algum conhecimento da Síndrome de Asperger e que quando são avaliados e lhes é referido que apresentam características comportamentais compatíveis com uma Perturbação do Espectro do Autismo ficam espantados. Ou então dizem que tal não pode ser verdade porque tinham ideia de ter uma Síndrome de Asperger e não Autismo. Certo que muitas destas pessoas não são profissionais de saúde e com um conhecimento mais aprofundado. Mas ainda assim, este exemplo que de todo é inventado parece mostrar a confusão que ainda persiste na representação que as pessoas parecem ter sobre a Síndrome de Asperger, a Perturbação do Espectro do Autismo e o Autismo. Já para não falar de outros conceitos com Autismo de Kanner ou Autismo de Alto Funcionamento, etc.


Contudo, quando é explicado às pessoas que o facto de terem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, nível 1, e que o mesmo corresponde ao que antes de 2013 era designado de Síndrome de Asperger o entendimento sobre o assunto volta a ser uma realidade. A associação a este nível 1, contrariamente ao nível 2 e 3, sendo o primeiro mais funcional e com um aparente impacto menos negativo na vida das pessoas parece ser mais consensual. Digo aparente porque o impacto negativo muitas vezes não tem nada de aparente e muito pelo contrário caracteriza-se por uma conjunto de episódios de vida bastante dramático. Ainda assim e após algum tempo as pessoas voltam a referir as mesmas questões anteriormente referidas. O impacto negativo que percepcionam que a Sociedade associa à palavra autismo e que como tal preferem continuar a serem referidos como Aspergers.

 
 
 

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