"Cão que ladra não morde", "Os cães ladram e a caravana passa", "Quem com cães se deita, com pulgas se levanta". Muitos de vocês já ouviram estas e outras frases parecidas, mas nem sempre as levaram devidamente em conta. Da mesma forma que alguns de vocês já ouviram dizer que o Autismo não tem cura. E ainda assim, perguntam se dar lixívia a uma criança autista a pode curar, ou usar essências ou florais de Bach pode ajudar a acalma-los. Já para não falar de administrar 200 vezes mais a dose recomendada de vitamina C em crianças autistas, ou recomendar o suplemento Speak Twist ou o Speak Smooth para as crianças autistas falarem. E o que dizer das vacinas que causam autismo. Este tipo de situações não é novidade e muito menos na área da saúde. Nas áreas da oncologia, HIV SIDA, Doenças Neurodegenerativas como o Alzheimer, são algumas daquelas em que o logro e a "banha da cobra" tem tido muita acção. E que nos últimos meses tem estado mais activo na área da pandemia COVID-19, ao ponto da Organização Mundial de Saúde ter-se referido a ela como "Infodemia". Aviso à leitura: talvez se vá confrontar com algumas informações que aceitava como verdadeiras. Em caso de dúvida, ao ler este texto ou em outra altura, consulte o seu médico assistente ou os Organismos de Saúde oficiais.
Sendo psicólogo clínico a minha intervenção não passa por fazer uso da prescrição de qualquer tipo de medicamento ou suplementos vitaminamos. No entanto, no trabalho com pessoas autistas e com as suas famílias são muitas as situações em que me defronto com determinações situações que são preocupantes. Por exemplo, uma família com um jovem com Perturbação do Espectro do Autismo nível 1, dizer que vai continuar a fazer a dieta à base de glúten e um conjunto de suplementos alimentares à base de Omega 3 para equilibrar o comportamento do seu filho. Devo dizer que pode ser muito fácil sentir algum tipo de zanga por esta situação, principalmente se tivermos conscientes de que aquilo que estamos a ouvir será um total prejuízo para aquele jovem, no presente momento e ao longo da sua vida. E como tal podemos pensar que manifestar essa zanga à família através do nosso veemente desacordo pode ser a melhor resposta. Mas não é, e muitas das vezes o que faz é reforçar precisamente a decisão que eles tomaram em fazer a escolha errada.
Nas consultas em psicologia estas situações acontecem com frequência e não apenas nas questões relacionadas com o Autismo. Para quem não sabe, a psicologia tem várias escolas de pensamento e que leva a que existam diferentes modelos de intervenção. Por exemplo, algumas pessoas já ouviram falar de Terapias Comportamentais-Cognitivas ou Psicanaliticas. No entanto, menos pessoas ouviram falar de Intervenção Baseadas na Evidência Cientifica. Ou seja, estas diferentes intervenções são avaliadas por diferentes equipas de investigação em diferentes países para testar a sua eficácia na intervenção em determinada situação ou condição. E no caso do Autismo, por exemplo, há um site no Reino Unido (NICE - https://www.nice.org.uk/) onde as pessoas poderão ter acesso a quais as Intervenções Baseadas na Evidência Cientifica que são indicadas como sendo eficazes na intervenção no Autismo e em que situações. No entanto, esta mesma informação não existe em todos os países, e como tal reina alguma desorganização e desinformação, por vezes perpetuada pelos próprios profissionais de saúde.
A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) é uma perturbação do neurodesenvolvimento com uma base neurobiológica e que afecta 1% a 3,5% da população global ao longo do ciclo de vida. A sua causa é multifactorial, partilhada por factores genéticos e ambientais. E desde que o autismo foi reconhecido pela primeira vez, a prevalência aumentou rapidamente. Penso ser compreensível que muitas pessoas, famílias e as próprias pessoas com Autismo possam estar numa situação de fragilidade emocional e como tal estejam mais susceptíveis a determinadas recomendações para esta ou aquela intervenção. Tenho encontrado muitas famílias e próprios autistas adultos que já passaram por um número grande de profissionais de saúde e que sentem que não lhe foi dado uma resposta adequada. Não me cabe a mim poder comentar aquilo que foi ou não recomendado, nem é esse o objectivo deste post. Mas o certo é que as famílias e os próprios autistas vão sentido uma crescente desesperança face à sua situação e com alguns agravamentos. E como tal tornam-se mais susceptíveis a determinadas propostas, seja de cura do autismo ou outras. E como tal, é preciso ajudar as pessoas a esclarecer quais as intervenções baseadas na evidência cientifica que são mais adequadas à pessoa e os próprios poderem fazer a sua escolha com toda a informação.
Pode ser difícil tomar decisões sobre qual abordagem mais adequada para cada pessoa. Ao longo destes anos foram desenvolvidas muitas intervenções diferentes e ainda há muita coisa que ainda não sabemos sobre a eficácia de cada uma, pois muito poucas foram avaliadas independentemente ou cientificamente. Mas isso não significa que administrar 200 vezes a dose de vitamina C vá acalmar os comportamentos disjuntivos da criança, ou usar o suplemento Speak Twist não vai fazer com que a criança autista não verbal passe a falar. Muitas pessoas não têm conhecimento deste tipo de necessidade, ou seja, de uma avaliação independente ou cientifica com critérios metodológicos rigorosos para determinar a eficácia da intervenção. Não basta apenas dizer que esta ou aquela intervenção é adequada e pedir para a pessoa confiar em nós. E felizmente hoje em dia ouvimos cada vez mais as pessoas pedirem por exemplos de evidência nesta ou naquela intervenção.
Com muita frequência, são feitas afirmações ousadas sobre terapias e intervenções para pessoas com autismo sem nenhuma evidência. Isso é irresponsável e inapropriado, e tentamos manter as pessoas conscientes das preocupações actuais. E como tal é fundamental informar a população e fazer-lo de uma forma adequada para que possa chegar precisamente a todos, inclusive aos que mais frequentemente recorrerem a estas respostas alternativas. Portanto, é vital que os pais de crianças com autismo e pessoas no espectro do autismo possam aceder a informações e conselhos confiáveis, tanto após o diagnóstico quanto de forma contínua. Também por essa razão este nosso site www.autismonoadulto.com surgiu para poder ajudar a que em Portugal ou em Português as pessoas pudessem ter acesso a uma informação cientificamente válida.
O autismo é complexo e o que ajuda uma pessoa pode não ajudar outras, por isso é vital que cada pessoa seja apoiada de forma única e que quaisquer intervenções sejam adaptadas às suas necessidades específicas. Mas isso mais uma vez não quer dizer que qualquer tipo de intervenção possa ser válida. Há uma variedade de abordagens educacionais, comportamentais e educacionais usadas para apoiar pessoas com autismo a realizarem seu potencial. Isso inclui abordagens como o PECS, TEACCH, ABA, integração sensorial e terapia da fala e linguagem. Acreditamos que estas e outras intervenções precisam de ser adaptadas às necessidades da pessoa e monitoradas quanto ao seu impacto. De sublinhar que nem todos os clínicos validam de igual modo todos os modelos de intervenção. Assim como nem todos os que advogam em prol do autismo e os próprios autistas suportam a utilização de todas as intervenções. É o exemplo do modelo ABA que ao longo dos anos tem sido referenciado como um modelo de excelência, mas que muitas pessoas referem que não estão a ter em conta os direitos dos próprios autistas.
As intervenções biomédicas incluem dietas restritivas, suplementos, intervenções hormonais e medicamentos. Algumas pessoas defendem o uso de intervenções biomédicas para tratar o autismo, enquanto outras acreditam que são úteis no tratamento de condições coexistentes. Nós acreditamos que existem poucas evidências científicas demonstrando a eficácia de intervenções biomédicas no apoio às pessoas para gerir diretamente o seu autismo. Como em muitos tratamentos medicamentosos, algumas intervenções biomédicas têm associado efeitos colaterais e riscos. Pessoas com autismo podem ser mais suscetíveis a esses efeitos colaterais. Acreditamos que as intervenções biomédicas devem ser usadas apenas sob supervisão médica que entenda o autismo e que os impactos positivos e negativos devem ser revistos regular e cuidadosamente.
Por exemplo, nos últimos anos tem sido muito a procura por óleo de cannabis para ajudar as pessoas autistas a regularem o seu comportamento. Mais uma vez, também nesta situação a evidência cientifica é inexistente ao ponto de não ser recomendado o sua administração. De ressalvar que estas e outras situações não deveria ser vista como um campo de batalha, como normalmente acontece. Até porque nestas situações são as pessoas directamente visadas, sejam as crianças, jovens ou adultos autistas, que acabam por ter a consequência negativa no seu desenvolvimento. Mas apesar de determinadas divergências, sendo que algumas delas são compreensivas, ainda assim, não faça o seguinte em caso de ser uma pessoa autista ou ter ao seu cuidado uma pessoa autista:
Dietas especiais - como dietas sem glúten, sem caseína ou cetogênicas vitaminas, minerais e suplementos alimentares;
Lixívia - também chamado de dióxido de cloro (CD) ou Mineral Miracle Solution (MMS)
GcMAF - uma injeção feita a partir de células sanguíneas;
Medicamentos - incluindo medicamentos para ajudar na memória, alterar os níveis hormonais ou remover o metal do corpo (quelação);
Neurofeedback - onde a actividade cerebral é verificada (geralmente colocando almofadas adesivas na cabeça) e você é ensinado a alterá-la;
oxigenoterapia hiperbárica - tratamento com oxigénio numa câmara pressurizada
De notar que estes exemplos não são a totalidade dos exemplos existentes, até porque estão constantemente a surgir mais e mais situações. Em caso de dúvida deve consultar sempre o seu médico assistente. E algumas das formas de poder notar que aquilo que lhe estão a falar é falso passa por a pessoa alegar "curar" ou ajudar as pessoas a "se recuperar do" autismo; alegar trabalhar na maioria das pessoas e ter resultados rápidos; "histórias" pessoais que são usadas para afirmar que funciona, em vez de evidências médicas; tratamentos que custam muito dinheiro; palavras como "milagre", "fé" e "confiança" que são frequentemente usadas, etc., podem ser feito por qualquer pessoa sem nenhum treino ou qualificação.
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