Como preparar as pessoas no Espectro do Autismo para o Coronavírus e outras emergências de saúde e catástrofes naturais? Nesta altura já serão muitos os pais, professores, profissionais de saúde que estarão a pôr em prática as medidas recomendadas pela Direcção-Geral de Saúde para agir numa situação de suspeita de contágio de Coronavírus. Mas também serão já muitas as crianças e jovens que nos seus estabelecimento de Ensino terão recebido informação acerca da situação. No entanto, nestas e em outras situações de emergências de saúde e catástrofes naturais é importante acautelar alguns grupos populacionais e que apresentam determinadas características que aumentam o desconforto dos mesmos e os podem colocar em perigo. Mais especificamente, como poderemos ajudar as pessoas no Espectro do Autismo a lidar com estas e outras situações e a melhor prepara-las para reagir?
Já muitos de nós vimos posts, imagens, vídeos ou rábulas a circular nas redes sociais a brincar com a situação do Coronavírus. Alguns de nós têm-se indignado com aquilo que chamam de falta de respeito e responsabilidade face a uma situação séria. Enquanto outros pensam que é importante poder brincar com as situações mais sérias como forma de aliviar a ansiedade sentida. Não é caso único, até porque há imensas situações em que a dissociação cognitiva funciona como mecanismo de alivio da ansiedade sentida.
Desde que começou a ser falado a situação do Coronavírus que têm sido muitas as questões e a informação veiculada sobre o tema, nomeadamente informação falsa. Enquanto a situação foi sendo apenas verificada em outros países que não Portugal a situação foi sendo mais fácil de controlar atendendo à distância geográfica com os países com maior número de casos. No entanto, a forma mais insistente que os órgãos de comunicação social e as redes sociais têm exposto todos nós ao assunto tem-se notado um aumento no desconforto sentido e subsequentemente nos níveis de ansiedade.
"Será que eu posso ficar contaminado?", "Se ficar contaminado posso morrer?", "Este vírus é igual ao Ébola?", "Na minha escola há colegas que são estrangeiros, isso quer dizer que também estão contaminados?", "Uma colega minha viajou para Itália e depois voltou para as aulas. Isso quer dizer que eu também vou ficar infectado?", "Eu trabalho numa multinacional e que têm vários colegas de outros países e pessoas que estão constantemente a viajar e não consigo deixar de ficar ansioso com tudo isto!". Estas e outras questões, afirmações, desabafos em jeito de ansiedade têm sido trazidas nos últimos dias por crianças, jovens e adultos com Perturbação do Espectro do Autismo.
A grande maioria de nós tem uma certeza ... O mundo como o conhecemos está em constante mudança. E enquanto as forças da natureza, apesar de em alguns países, terem situações mais frequentes e complexas (e.g., Tornados nos EUA, Tsunamis na Indonésia, Terramotos no Afeganistão, etc.), em Portugal as coisas têm estado mais tranquilas. Ainda assim, o melhor que qualquer um de nós, Educadores, Pais, Professores, Profissionais de saúde, etc., podem fazer em beneficio das crianças, jovens e adultos dentro do Espectro do Autismo é poder prepara-los para este e outro tipo de emergências.
Quando falamos da Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), falamos frequentemente de rotinas e da necessidade de previsibilidade. E como ter consistência em todas essas coisas que tornam a nossa vida e a vida de nossos filhos menos caóticas. No entanto, a vida acontece. E a preparação para emergências é algo em que precisamos de pensar. E se há algo que ocorre com imprevisibilidade são as situações de catástrofe natural e emergências de saúde e outras.
Juntamente com tudo o que trabalhamos com as pessoas no Espectro do Autismo, elas desenvolvem várias competências, sociais e outras, mas também precisamos de as poder ir preparando para esperar o inesperado e principalmente de como reagir nessas situações. São várias as pessoas que já estiveram numa situação em que se sentiram a afogar e que alguém as procurou ajudar. Muitos recordam que nessa situação foi muito difícil manter a calma e procuraram agarrar o pescoço de quem as estava a tentar salvar comprometendo a vida de ambos. Nem é todos os dias que estas e outras situações ocorrem mas é importante poder ter a importância de precaver as possíveis situações e ajudar as pessoas a estarem preparadas para isso. Seja por si mas também por outra qualquer pessoa que eles possam ajudar. Voltando então novamente às rotinas. E mesmo que as pessoas no Espectro do Autismo confiem em rotinas e consistência e funcionem muito bem para eles, assim como para adultos, ainda precisamos de os preparar. E quanto mais preparado estivermos, menos caótico será a situação.
Uma questão fundamental para todos e principalmente para as pessoas no Espectro do Autismo é estarem informadas acerca da situação, e correctamente/cientificamente informadas. Será fundamental que a informação possa ser filtrada pelos adultos no caso de estarmos a falar de crianças e/ou jovens no Espectro do Autismo. Mas é imperativo que possam estar informadas. Muitas vezes incorre-se no risco de pensar que é melhor não saberem porque as pode deixar mais susceptíveis ou sensibilizadas. E provavelmente irá deixar. A elas como a qualquer um de nós. É suposto que uma informação que represente algo negativo nos possa deixar mais sensibilizados. Mas as emoções fazem parte do nosso desenvolvimento e experimenta-las e vive-las é adaptativo. No entanto deverá ser acautelado a forma como passamos essa informação principalmente às crianças e ainda mais nas crianças do Espectro do Autismo. Será importante que a mensagem seja desprovida de um carácter ansiogénico e potencialmente traumatizante. Além disso é importante que a informação possa ser passada e compreendida. E para isso também é importante ter tempo para poder acompanhar a situação ao longo da ocorrência da mesma e de preferência que seja feito de forma consertada com a Escola.
A informação sobre a situação e o saber o que fazer é fundamental. Uma questão que habitualmente nos deixa ainda mais ansiosos é não saber o que fazer na situação. Como tal é vital passar a informação às pessoas - a todos!
Para além de explicar o racional do fenómeno que estamos a passar, é igualmente fundamental ensaiar a situação. Fazer role-playing acerca do que é preciso fazer para nos protegermos, prevenirmos ou outra qualquer actuação necessária. É verdade que treinar algumas destas situações poderá ser um desafio acrescido para algumas das pessoas no Espectro do Autismo, nomeadamente as crianças, que além de apresentarem as características que podem comprometer a situação, acresce o facto do seu menor nível de maturidade. Ou seja, treinar uma situação de emergência como um Incêndio poder ser mais difícil devido ao barulho envolvido, assim como à possibilidade de ter de tocar e/ou ser tocada, para além da quebra urgente de uma rotina. Toda a situação pode ser um desafio mas precisa de ser equacionado. As pessoas que estão hospitalizadas e acamadas também não se conseguem mover e não é por isso que deixa de haver planeamento para as poder ajudar e elas próprias poderem colaborar na medida da sua possibilidade.
Adicionalmente a este exemplo temos o facto de ser necessário/obrigatório a criação de um plano de segurança. Neste caso todas as pessoas devem ser envolvidas na realização do mesmo até para que possam compreender o seu papel e a sua importância em todo o processo, seja para a sua mas também para a segurança dos outros. Podemos usar as histórias sociais, usadas normalmente em outras situações, normalmente sociais, para ajudar as crianças e os jovens no Espectro do Autismo a poderem compreender melhor as pistas sociais e saberem como actuar nas mesmas. É uma questão de podermos adaptar estas histórias para as questões de emergência de saúde e catástrofe natural. E para as pessoas que apresentem maiores dificuldades devido às suas questões sensoriais poderá ser planeado a preparação de uma "mochila sensorial" para que elas sintam que em caso de ocorrência possa ser usado também para o seu conforto. Isto porque no Espectro do Autismo, as questões da sensorialidade e o facto de as mesmas não estarem a ser acauteladas podem ser sentidas como verdadeira situação de "emergência".
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