Alex (nome fictício) estava numa relação e não sabia como sair dela. Paulo (nome fictício), o seu companheiro, continua a bater-lhe. Ela conseguiu convencê-lo a irem a uma consulta. Ele devia estar com medo de a perder. Ela pensava poder ficar pior sem ele. Perguntei-lhe como é que ele se sentia quando a magoava. "Sinto-me mal!", respondeu breve. Mal não é uma emoção, pensei eu. E até que ponto este homem saberia o que sentia? Perguntei-lhe novamente mais à frente a mesma coisa. Parece ter-se enervado. "Sinto-me ciumento, zangado, frustrado, zangado, talvez com medo, não sei, não sei!". Perguntei-lhe a ele o que ela terá sentido quando ele lhe bateu. "Não sei, talvez dor!?". A Alexitimia é uma disfunção acentuada na consciência emocional, apego social e relacionamento interpessoal. Estas pessoas apresentam uma marcada dificuldade em distinguir e apreciar as emoções dos outros, levando-os a não serem empáticos com a resposta emocional ineficaz aos outros. Ela chama-se Alex, diminutivo de Alexandre. Ele é o Paulo, tem uma Perturbação do Espectro do Autismo e uma Alexitimia. O que não deixa de ser interessante pensar que esta palavra deriva do Grego e do Latim - a (sem) - lexus (palavras) - thymus (para emoções). "- Como te sentes?"
"- Como é que te sentes?", "- Como estás?", "- Como tens estado?", estas e outras variantes fazem parte do nosso quotidiano. Desde o acordar em que nos viramos para o lado na cama e o perguntamos à nossa companheira ou quando vamos acordar o nosso filho, e depois eles nos devolvem a mesma questão. No percurso de casa até ao trabalho, e quando aproveitamos para ligar aos nossos pais com quem já não falamos há uns dias. E no nosso local de trabalho, seja quando vemos um colega com ar mais abatido ou simplesmente porque faz parte daquela nossa rotina. Parece ser algo tão habitual e que faz parte do nosso quotidiano que quando alguém nos responde, "- Não estou muito bem!", ficamos atrapalhados, porque na maior parte das vezes estamos habituados a ouvir, "Tudo bem, e tu?". Apesar da aparente facilidade com que fazemos esta questão e a respondemos. Até porque muitas vezes sentimos que a pessoa a quem fazemos a questão se fica a debater durante breves segundos para saber como a haverá de responder. O certo é que colocar em palavras os nossos sentimentos é uma tarefa difícil, e sem dúvida um desafio, mais para uns do que para outros, e principalmente quando vivemos sentimentos complexos ou intensos, durante determinados acontecimentos. Terminar uma relação, perder alguém, casar, o nascimento de um filho, ser agredida numa relação tal como a Alex, entre outras. Todas estas situações são suficientemente difíceis de colocar em palavras. E este desafio é ainda maior para pessoas Alexitimicas como o Paulo, e que ainda por cima acumula uma outra condição - Perturbação do Espectro do Autismo.
Já muito se tem falado da maior probabilidade que existe de uma co-ocorrência de outra perturbação psiquiátrica na Perturbação do Espectro do Autismo, seja a Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, Depressão ou a Ansiedade Social. Mas também é bastante frequente verificarmos a existência de traços marcados de Alexitimia neste grupo, em números que chega a rondar uma percentagem significativa de 40-50%.
A alexitimia é uma condição subclínica na qual as pessoas afectadas têm dificuldade em identificar e descrever as suas próprias emoções. Estas pessoas têm grande dificuldade em identificar, descrever e trabalhar com os seus próprios sentimentos e uma falta de compreensão dos sentimentos dos outros. Apresentam uma restrição na imaginação e têm um pensamento concreto, assim como uma maior incapacidade de usar a resposta emocional para resolver problemas que vão surgindo no quotidiano. Por exemplo, a sua vida de sonho não é "rica". Eles podem sonhar em dar um passeio, sentar-se ao lado de um riacho ou limpar um quarto. Parecem carecer de intuição e vivem uma existência bastante "robótica". Um factor talvez mais distintivo da sua pessoa é a incapacidade de elaborar sentimentos além dos adjectivos restritos, como "feliz" ou "infeliz". Muitas vezes há uma qualidade de vida prejudicada, incapacidade de se relacionar emocionalmente com os outros ou de beneficiar da interação social. Há evidências de que pode haver uma base genética para a Alexitimia, apontando-se para alguns problemas na comunicação neuronal de determinadas áreas do cérebro, e que lhes causa dificuldade na diferenciação entre as sensações corporais e as emoções que as desencadeiam.
O facto de na Alexitimia podermos dizer que são pessoas que não têm palavras para os sentimentos, é possivel compreender melhor alguns dos seus comportamentos. Desde o maior evitamento para actividades como a leitura. E porquê? Porque quando estamos a ler estamos a retirar daquela informação não apenas informação mas também a sentir algo que as diferentes personagens e os seus papeis nos fazem sentir. Mas o mesmo também pode ser pensado na interacção social. Nestas situações eu não estou apenas a trocar informação de forma prática, ainda que em alguns momentos o possa fazer. Mas normalmente estou a ter a possibilidade de poder sentir emoções. Sejam aquelas que dizem respeito à minha à forma como a informação recebida me faz sentir. Mas também como é que eu me sinto quando penso como é que a outra pessoa se está a sentir. Talvez agora possa ser mais fácil de perceber por que é que algumas pessoas fazem diálogos tão curtos, objectivos, centrados nos aspectos práticos e pouco envolvidos emocionalmente. Este estranhar da nossa parte, e da possibilidade de adjectivarmos aquele diálogo como desprovido de sentimento ou robótico como em algumas vezes o caracterizamos. As pessoas Alexitimicas mas também as pessoas Autistas apresentam estas características. E as pessoas que acumulam ambas as condições apresentam um agravamento na sua expressão.
A investigação nesta área começou por centrar a sua atenção no deficit no processo socioemocional. A alexitimia tem sido previamente associada ao baixo reconhecimento de expressões emocionais, prejuízo na mentalização emocional ou ao entendimento das crenças e intenções de outros, déficit nas competências de empatia e num estilo interpessoal social de evitamento. Por vezes quando penso na Alexitimia, é-me frequente não apenas pensar no Espectro do Autismo em algumas questões, mas também na Depressão. E neste último caso no enviesamento que estes têm para apreenderem os estímulos com uma valência negativa. Por exemplo, se uma pessoa depressiva versus uma pessoa não depressiva, ambas lerem o mesmo texto com informação positiva, negativa e neutra, é esperado que a pessoa depressiva consiga recuperar mais facilmente e em maior quantidade informação negativa, comparativamente à pessoa não depressiva. Como tal, esta sua memória estará mais carregada de um léxico com uma valência negativa. E como a forma que nós temos de comunicar, seja com os outros, mas também com nós próprios e o Mundo é através da linguagem. O nosso léxico maioritariamente povoado de palavras com uma valência negativa vai gerar um discurso e uma representação do mais mais propensamente negativo, isto no caso da pessoa depressiva.
Neste ponto do texto é provável que muitos possam pensar que se estão a identificar com algumas destas descrições e que se perguntem se também serão Alexitimicos para além de terem uma Perturbação do Espectro do Autismo. E esta proximidade é de tal forma grande que muitos investigadores sentem que em alguns casos de autismo poderá haver um agravamento no prognóstico precisamente por haver uma sobreposição das duas situações. Como tal, é bem possível que o reconhecimento emocional e as dificuldades na regulação da psicopatologia comprida observada em pessoas autistas , possam estar associadas com a Alexitimia. E na verdade, as estratégias de regulação desadaptativas das emoções, como a supressão e a evitamento, são típicas em pessoas com alexitimia, mas também com características do espectro do autismo.
Estas questões podem afectar negativamente as interações sociais, resultando numa falta de apoio e suporte social e potencialmente perturbações de humor e ansiedade. É importante ressaltar que em estudos anteriores foidemonstrado que os traços alexitímicos podem actuar como um factor de vulnerabilidade para doenças mentais, nomeadamente perturbação depressiva e de ansiedade. Isso é altamente relevante porque existem problemas de saúde mental em comorbilidade, em particular perturbação depressiva, que foram identificados como um factor de risco importante para a ideação suicida e tentativas de suicídio em crianças autistas e o suicídio representa a segunda principal causa de morte em pessoas adultos com Perturbação do Espectro do Autismo.
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