Os dias que correm são de mudança. A situação de pandemia por COVID-19 veio destapar todo um conjunto de questões em todos nós, individual e colectivamente. Se por um lado os nossos níveis de preocupação e ansiedade têm aumentado. Também parece ser verdade que a nossa capacidade de podermos valer ao Outro parece ter ficado diminuída. E até mesmo nos espaços em que pensaríamos haver uma maior flexibilidade para integrar estas mudanças, verificamos que nem sempre isso acontece. Estou a pensar especificamente no espaço Universitário e na forma como este tem respondido aos alunos com determinadas características, nomeadamente do Espectro do Autismo. Porventura, as dificuldades na resposta por parte da Universidade a estes alunos não vem de agora. Mas num momento em que todos nós precisamos, e ainda mais os alunos que já em si apresentam maiores fragilidades mais precisam, parece ser precisamente agora que as respostas e a capacidade de as pensar escasseia. Não é novidade que há cada vez mais alunos autistas a concorrerem ao Ensino Superior, sejam aqueles que têm conhecimento do seu diagnóstico, mas também todos os outros que não o sabem ainda. A Universidade e muitas das pessoas dentro deste espaço estão distantes do conhecimento necessário sobre as pessoas autistas e tantas outras com uma perturbação do neurodesenvolvimento ou psiquiátrica. Respeitando a liberdade dos alunos, nomeadamente em darem a conhecer a sua condição ou não. É fundamental que a Academia possa estar sensibilizada para a neurodiversidade que habita neste espaço. Não é nenhuma novidade. Desde o tempo da Academia de Platão, espaço consagrado ao culto das Musas de Apolo, que este espaço foi sendo habitado por uma diversidade de pessoas. Seja os conteúdos programáticos, a forma como os mesmo são leccionados, as ferramentas e metodologias pedagógicas usadas pelos docentes, entre outros. É fundamental que a Academia possa não só estar preparada para receber todas as pessoas que desejem aceder a este espaço. Mas é igualmente fundamental que a Academia se possa ir adaptando e reconstruindo sem perder no entanto a sua identidade própria. Continuamos a ter uma grande rigidez e inflexibilidade por parte de muitos docentes e coordenadores de curso em relação à necessidade de se fazer de forma adaptada. Por exemplo, no presente momento em que há necessidade das aulas serem presenciais e por vezes on-line, talvez seja importante perceber que estes e outros alunos possam beneficiar desta mesma possibilidade em alguns momentos. Ou seja, se um aluno autista estiver mais ansioso poder fazer a aula on-line naquele dia ao invés de se ter de deslocar à Universidade. Podem parecer coisas simples para uns, mas são vitais para muitos destes alunos. Assim como a cedência dos materiais da disciplina atempadamente. É compreensível que muitos docentes estejam eles próprios constrangidos de tempo e de trabalho. Mas muitos docentes têm os seus materiais já preparados e poderiam disponibilizar com tempo a estes alunos de forma a que eles se pudessem preparar. Os exemplos são muitos e inclusive se for dado espaço aos próprios alunos autistas para falarem das suas necessidades, ficaremos todos a saber muito melhor o que podemos fazer. A mentalidade e a atitude de todos nós na Academia precisa de ser diferente. Não se trata apenas de ser inclusiva, mas principalmente de respeitar as formas diferentes de todos nós sermos e aprendermos. É assim tão difícil aos responsáveis académicos e docentes universitários de pensar fora da caixa sobre isto? Talvez o seja, mas há sempre outros profissionais capazes de os poderem ajudar a pensar sobre estes e outros aspectos. No meu quotidiano enquanto psicólogo que acompanha inúmeros jovens universitários autistas desdobro-me em reuniões e e-mails para docentes e coordenadores de curso com o objectivo de explicar o que é a Perturbação do Espectro do Autismo e qual o perfil de funcionamento deste seu aluno. Mas continua a ser inglório sentir que há sempre um conjunto de outros docentes que parecem não pensar dessa mesma forma e não respeitar essa mesma diferença, tornando o percurso destes alunos mais caótico, ao ponto de muitos desejarem abandonar a Academia. O titulo do post - Academia Platónica, pode ter duas possíveis leituras. A primeira é aquela que muitos de nós desejamos que aconteça, que a Universidade seja um espaço de neurodiversidade e de respeito pela diferença no ser e no aprender, e que seja um lugar facilitador de aprendizagens e de preparação para a vida adulta. Um lugar em que as pessoas possam crescer enquanto cidadãos do Mundo e que sintam que podem expandir a sua pessoa sem que tenham a sensação de ameaça constante. A segunda leitura é mais literal, platónica no sentido daquilo que acaba por nunca acontecer. Tal como no século VI, a Academia de Platão foi encerrada pelo Imperador Justiniano para que não fosse possível de continuar a divulgar a cultura helénica pagã.
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